Os computadores pessoais estão presentes em 25% dos domicílios brasileiros, sendo que 18% das residências têm acesso à internet. Essas foram algumas conclusões da Pesquisa sobre o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação do Brasil (TIC 2008), provido pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC-BR). As maiores dificuldades alegadas pelos entrevistados para aquisição do computador pessoal ou ingressar na internet residencial foram os custos elevados e - por incrível que pareça no mundo da “sociedade da informação” - a falta de habilidades específicas e desinteresse pelo ambiente digital. Apenas 17% indicaram a indisponibilidade da rede de internet em sua área como um fator limitador.
Vice-Presidente José Alencar na abertura do Congresso Brasileiro da Radiodifusão em Brasília.
(Foto: Felipe Barra/ABERT)
A tecnocracia, porém, adota posturas contraproducentes na solução de tais problemas. Ao invés de fortalecer o aspecto educacional e de formação do cidadão, de ampliar a oferta e domínio dos hardwares, ao invés de pressionar redes e empresas que já operam no mercado a oferecerem serviços mais próximos do interesse público, suas propostas buscam reinvenções tecnológicasconsideradas revolucionárias e promissoras em vista de novas redes, novas legislações e acessos ditos mais democráticos, porém com os mesmos vícios de origem das antigas tecnologias.
É como se a malha tecnológica viesse antes da instrução, o acesso ao canal antes do discernimento qualitativo sobre o que, como e por qual razão deve-se comunicar. Assim foi com a TV por Cabo, cujas poucas emissoras municipais e universitárias estão disponíveis àqueles com condições de pagar as mensalidades do circuito fechado, assim foi com a Radiodifusão Comunitária, com poucas estações realmente não pecuniárias servindo a sua população local, e assim caminha a controversa defesa da ANATEL pelo
Power Line Communications (PLC). O PLC promete a internet de banda larga pela tomada de energia elétrica, além da formação do
smart grid, medições automáticas e controles digitais dos dispositivos eletrônicos, todos interconectados por meio das redes de média e baixa tensão e pelas as fiações de sua residência.
Através da ampla capilaridade da rede de distribuição elétrica, a banda larga seria assimoferecida a maior parte da população considerando a infraestrutura atual, inclusive em áreas rurais e carentes, idealmente ampliando a concorrência e reduzindo custos, mesmo sem a indicação de qual modelo de negócios será empreendido. O PLC porém apresenta um problema inerente a sua própria tecnologia: ele injeta rádio freqüência (entre 1,8 e 50 MHz) nos fios da rede de energia elétrica para portar as informaçõesdigitais, um sistema não isolado, no Brasil amplamente susceptível a vandalismos e piratarias.
Tal cenário leva a graves questões: o PLC tem sido severamente criticado no exterior devido geração de interferências num espectro de rádio em uso pelas Forças Armadas, aviação civil, marinha mercante, polícia rodoviária, radioamadores em apoio a defesa civil, radiodifusão sonora e até mesmo em operações de finalidades científicas como a radioastronomia. Todo esse emaranhado de serviços está presente nas faixas de rádio que as empresas do setorelétrico desejam ocupar com o PLC.
As interferências são tão esperadas que a ANATEL procurou estabelecer áreas e faixas de exclusão em lei específica, mas em dimensões insuficientes para manter a eficiência dos serviços de rádio, especialmente diante da previsão do amplo uso datecnologia e a diversidade de estações a serem atingidas, inclusive em unidades móveis.
O maior temor é o aumento no nível de ruído no espectro de rádio, inviabilizando vários serviços de utilidade pública. Essas frequências estão, por exemplo, sendo utilizadas neste momento pela FAB e Marinha para missões de busca e investigação do recente acidente aéreo da Air France no Oceano Atlântico. Várias empresas aéreas utilizam essas faixas de rádio para comunicações entre suas bases terrestres e as aeronaves durante os longos trajetos fora das áreas abrangidas pelosradares. Preocupada com a questão na Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) chegou a propor níveis máximos de emissão PLC para não prejudicar as comunicações de rádio, valores sumariamente ignorados pela ANATEL.
Durante o congresso, o Ministro das Comunicações Hélio Costa destacoua importância do setor de radiodifusão sonora no Brasil.(Foto: Joana Paula, Felipe Barra, Paulino Mendes/ABERT) As mesmas faixas na mira das empresas de distribuição de energia estão concedidas a mais de 140 estações brasileiras de radiodifusão sonora em Ondas Tropicais e Ondas Curtas, utilizadas para coberturas regional, nacional, ou mesmo internacional sem o uso de repetidoras ou satélites, faixas indicadas em países continentais para manter comunicação com áreas isoladas, uma dasmaiores finalidades sociais do rádio brasileiro. O assunto é tão relevante que a ABERT, no Congresso Brasileiro da Radiodifusão realizado em Brasília no mês passado, promoveu uma mesa de discussão sobre o tema, apresentando testes que comprovam interferências PLC até no rádio de Ondas Médias e canais baixos de televisãoVHF, não descartando ações jurídicas para defesa do setor.
O que está em questão não é apenas uma nova infraestrutura de comunicação digital, mas a deterioração do espectro eletromagnético público, prejudicando serviços essenciais de rádiocomunicação social, de salvaguarda a vida e segurança nacional. Problemas que são reflexos dafalta de planejamento e ausência de posição crítica dos reguladores frente às imposições de mercado com tecnologias no momento polêmicas, de desenvolvimento inconcluso e questionável.
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