Reproduzido aqui o artigo do Dr. Flávio Archangelo sobre o PLC publicado no jornal Sinal Livre de Garulhos (SP). O Dr. Archangelo possui doutorado em Comunicação Social e seu currículo pode ser acessado no Sistema de Currículos Lattes.
INTERNET PELA REDE DE ENERGIA ELÉTRICA
Tecnologia põe em risco comunicações de rádio
Dr. Flávio Archangelo
Os computadores pessoais estão presentes em 25% dos domicílios brasileiros, sendo que 18% das residências têm acesso à internet. Essas foram algumas conclusões da Pesquisa sobre o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação do Brasil (TIC 2008), provido pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC-BR). As maiores dificuldades alegadas pelos entrevistados para aquisição do computador pessoal ou ingressar na internet residencial foram os custos elevados e - por incrível que pareça no mundo da “sociedade da informação” - a falta de habilidades específicas e desinteresse pelo ambiente digital. Apenas 17% indicaram a indisponibilidade da rede de internet em sua área como um fator limitador.
A tecnocracia, porém, adota posturas contraproducentes na solução de tais problemas. Ao invés de fortalecer o aspecto educacional e de formação do cidadão, de ampliar a oferta e domínio dos hardwares, ao invés de pressionar redes e empresas que já operam no mercado a oferecerem serviços mais próximos do interesse público, suas propostas buscam reinvenções tecnológicasconsideradas revolucionárias e promissoras em vista de novas redes, novas legislações e acessos ditos mais democráticos, porém com os mesmos vícios de origem das antigas tecnologias.
É como se a malha tecnológica viesse antes da instrução, o acesso ao canal antes do discernimento qualitativo sobre o que, como e por qual razão deve-se comunicar. Assim foi com a TV por Cabo, cujas poucas emissoras municipais e universitárias estão disponíveis àqueles com condições de pagar as mensalidades do circuito fechado, assim foi com a Radiodifusão Comunitária, com poucas estações realmente não pecuniárias servindo a sua população local, e assim caminha a controversa defesa da ANATEL pelo Power Line Communications (PLC). O PLC promete a internet de banda larga pela tomada de energia elétrica, além da formação do smart grid, medições automáticas e controles digitais dos dispositivos eletrônicos, todos interconectados por meio das redes de média e baixa tensão e pelas as fiações de sua residência.
Através da ampla capilaridade da rede de distribuição elétrica, a banda larga seria assimoferecida a maior parte da população considerando a infraestrutura atual, inclusive em áreas rurais e carentes, idealmente ampliando a concorrência e reduzindo custos, mesmo sem a indicação de qual modelo de negócios será empreendido. O PLC porém apresenta um problema inerente a sua própria tecnologia: ele injeta rádio freqüência (entre 1,8 e 50 MHz) nos fios da rede de energia elétrica para portar as informaçõesdigitais, um sistema não isolado, no Brasil amplamente susceptível a vandalismos e piratarias.
Tal cenário leva a graves questões: o PLC tem sido severamente criticado no exterior devido geração de interferências num espectro de rádio em uso pelas Forças Armadas, aviação civil, marinha mercante, polícia rodoviária, radioamadores em apoio a defesa civil, radiodifusão sonora e até mesmo em operações de finalidades científicas como a radioastronomia. Todo esse emaranhado de serviços está presente nas faixas de rádio que as empresas do setorelétrico desejam ocupar com o PLC.
As interferências são tão esperadas que a ANATEL procurou estabelecer áreas e faixas de exclusão em lei específica, mas em dimensões insuficientes para manter a eficiência dos serviços de rádio, especialmente diante da previsão do amplo uso datecnologia e a diversidade de estações a serem atingidas, inclusive em unidades móveis.
O maior temor é o aumento no nível de ruído no espectro de rádio, inviabilizando vários serviços de utilidade pública. Essas frequências estão, por exemplo, sendo utilizadas neste momento pela FAB e Marinha para missões de busca e investigação do recente acidente aéreo da Air France no Oceano Atlântico. Várias empresas aéreas utilizam essas faixas de rádio para comunicações entre suas bases terrestres e as aeronaves durante os longos trajetos fora das áreas abrangidas pelosradares. Preocupada com a questão na Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) chegou a propor níveis máximos de emissão PLC para não prejudicar as comunicações de rádio, valores sumariamente ignorados pela ANATEL.
As mesmas faixas na mira das empresas de distribuição de energia estão concedidas a mais de 140 estações brasileiras de radiodifusão sonora em Ondas Tropicais e Ondas Curtas, utilizadas para coberturas regional, nacional, ou mesmo internacional sem o uso de repetidoras ou satélites, faixas indicadas em países continentais para manter comunicação com áreas isoladas, uma dasmaiores finalidades sociais do rádio brasileiro. O assunto é tão relevante que a ABERT, no Congresso Brasileiro da Radiodifusão realizado em Brasília no mês passado, promoveu uma mesa de discussão sobre o tema, apresentando testes que comprovam interferências PLC até no rádio de Ondas Médias e canais baixos de televisãoVHF, não descartando ações jurídicas para defesa do setor.
O que está em questão não é apenas uma nova infraestrutura de comunicação digital, mas a deterioração do espectro eletromagnético público, prejudicando serviços essenciais de rádiocomunicação social, de salvaguarda a vida e segurança nacional. Problemas que são reflexos dafalta de planejamento e ausência de posição crítica dos reguladores frente às imposições de mercado com tecnologias no momento polêmicas, de desenvolvimento inconcluso e questionável.
Fonte:
Artigo Original (formato PDF)
Vice-Presidente José Alencar na abertura do Congresso Brasileiro da Radiodifusão em Brasília.
(Foto: Felipe Barra/ABERT)
(Foto: Felipe Barra/ABERT)
A tecnocracia, porém, adota posturas contraproducentes na solução de tais problemas. Ao invés de fortalecer o aspecto educacional e de formação do cidadão, de ampliar a oferta e domínio dos hardwares, ao invés de pressionar redes e empresas que já operam no mercado a oferecerem serviços mais próximos do interesse público, suas propostas buscam reinvenções tecnológicasconsideradas revolucionárias e promissoras em vista de novas redes, novas legislações e acessos ditos mais democráticos, porém com os mesmos vícios de origem das antigas tecnologias.
É como se a malha tecnológica viesse antes da instrução, o acesso ao canal antes do discernimento qualitativo sobre o que, como e por qual razão deve-se comunicar. Assim foi com a TV por Cabo, cujas poucas emissoras municipais e universitárias estão disponíveis àqueles com condições de pagar as mensalidades do circuito fechado, assim foi com a Radiodifusão Comunitária, com poucas estações realmente não pecuniárias servindo a sua população local, e assim caminha a controversa defesa da ANATEL pelo Power Line Communications (PLC). O PLC promete a internet de banda larga pela tomada de energia elétrica, além da formação do smart grid, medições automáticas e controles digitais dos dispositivos eletrônicos, todos interconectados por meio das redes de média e baixa tensão e pelas as fiações de sua residência.
Através da ampla capilaridade da rede de distribuição elétrica, a banda larga seria assimoferecida a maior parte da população considerando a infraestrutura atual, inclusive em áreas rurais e carentes, idealmente ampliando a concorrência e reduzindo custos, mesmo sem a indicação de qual modelo de negócios será empreendido. O PLC porém apresenta um problema inerente a sua própria tecnologia: ele injeta rádio freqüência (entre 1,8 e 50 MHz) nos fios da rede de energia elétrica para portar as informaçõesdigitais, um sistema não isolado, no Brasil amplamente susceptível a vandalismos e piratarias.
Tal cenário leva a graves questões: o PLC tem sido severamente criticado no exterior devido geração de interferências num espectro de rádio em uso pelas Forças Armadas, aviação civil, marinha mercante, polícia rodoviária, radioamadores em apoio a defesa civil, radiodifusão sonora e até mesmo em operações de finalidades científicas como a radioastronomia. Todo esse emaranhado de serviços está presente nas faixas de rádio que as empresas do setorelétrico desejam ocupar com o PLC.
As interferências são tão esperadas que a ANATEL procurou estabelecer áreas e faixas de exclusão em lei específica, mas em dimensões insuficientes para manter a eficiência dos serviços de rádio, especialmente diante da previsão do amplo uso datecnologia e a diversidade de estações a serem atingidas, inclusive em unidades móveis.
O maior temor é o aumento no nível de ruído no espectro de rádio, inviabilizando vários serviços de utilidade pública. Essas frequências estão, por exemplo, sendo utilizadas neste momento pela FAB e Marinha para missões de busca e investigação do recente acidente aéreo da Air France no Oceano Atlântico. Várias empresas aéreas utilizam essas faixas de rádio para comunicações entre suas bases terrestres e as aeronaves durante os longos trajetos fora das áreas abrangidas pelosradares. Preocupada com a questão na Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) chegou a propor níveis máximos de emissão PLC para não prejudicar as comunicações de rádio, valores sumariamente ignorados pela ANATEL.
Durante o congresso, o Ministro das Comunicações Hélio Costa destacou
a importância do setor de radiodifusão sonora no Brasil.
(Foto: Joana Paula, Felipe Barra, Paulino Mendes/ABERT)
a importância do setor de radiodifusão sonora no Brasil.
(Foto: Joana Paula, Felipe Barra, Paulino Mendes/ABERT)
As mesmas faixas na mira das empresas de distribuição de energia estão concedidas a mais de 140 estações brasileiras de radiodifusão sonora em Ondas Tropicais e Ondas Curtas, utilizadas para coberturas regional, nacional, ou mesmo internacional sem o uso de repetidoras ou satélites, faixas indicadas em países continentais para manter comunicação com áreas isoladas, uma dasmaiores finalidades sociais do rádio brasileiro. O assunto é tão relevante que a ABERT, no Congresso Brasileiro da Radiodifusão realizado em Brasília no mês passado, promoveu uma mesa de discussão sobre o tema, apresentando testes que comprovam interferências PLC até no rádio de Ondas Médias e canais baixos de televisãoVHF, não descartando ações jurídicas para defesa do setor.
O que está em questão não é apenas uma nova infraestrutura de comunicação digital, mas a deterioração do espectro eletromagnético público, prejudicando serviços essenciais de rádiocomunicação social, de salvaguarda a vida e segurança nacional. Problemas que são reflexos dafalta de planejamento e ausência de posição crítica dos reguladores frente às imposições de mercado com tecnologias no momento polêmicas, de desenvolvimento inconcluso e questionável.
Fonte:
Artigo Original (formato PDF)
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